Impactos Psicossociais da COVID-19
- Andréia Ferreira

- 3 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de mar. de 2023
O ano é 2020. Embora muitas tenham sido as vezes em que a sobrevivência da espécie humana tenha sido posta à prova, dessa vez é diferente de todas as outras. Talvez a COVID-19 não tenha o mesmo potencial de letalidade como ocorreu em outras pandemias ao longo da história, mas a complexidade das sociedades atuais faz com que esta pandemia ganhe outros contornos...Continue lendo e saiba mais!
As pesquisas sobre a COVID-19 estão em plena efervescência. Não se trata apenas de pesquisas de vacinas, medicamentos, protocolos médicos, materiais, mas também há outras ciências estudando os impactos no planeta, os impactos sociais, econômicos, educacionais, políticos entre tantos outros. No caso da Psicologia, além de aproximar-se das outras ciências, busca-se estudar os fatores psicológicos e comportamentais do ser humano, numa perspectiva biopsicossocial. Os impactos psicossociais na vida do indivíduo e na sociedade decorrentes da pandemia de COVID-19, apresentam-se e constituem desafios para a ciência psicológica e para a profissão.
Que impactos são esses?
As mudanças na vida cotidiana das pessoas, a forma como se vivia e se organizava a vida, foi interrompida com a quarentena. Embora o isolamento e distanciamento social sejam medidas reconhecidas e necessárias para conter a transmissão da COVID-19, tais medidas de prevenção produzem tensionamento e estresse, que podem favorecer o surgimento de uma série de outros problemas, além de intensificar problemas decorrentes de situações preexistentes. Lidar com o futuro imprevisível pode provocar sofrimento e insegurança.
No caso de adultos, além da preocupação de ser infectado, ficar doente ou transmitir a doença, há a preocupação em garantir a subsistência, somado às dificuldades em conciliar as rotinas da casa, os cuidados com crianças, com idosos e outros membros da família. O estresse econômico, a diminuição do acesso às redes socioafetivas, diminuição do acesso a tratamentos de saúde mental, interrupção de tratamentos para problemas graves de saúde física, por exemplo, são alguns fatores de risco que podem desencadear transtornos mentais, ou agravar condições preexistentes à pandemia, tais como: síndrome do pânico, ansiedade, depressão, ideação suicida, consumo de álcool e outras drogas, violência doméstica, por exemplo. Estudos têm revelado que a solidão, desesperança, angústia, sobrecarga, exaustão, irritabilidade, tédio, raiva, sensação de abandono, distúrbios do sono, também são relatados recorrentemente na situação de distanciamento e isolamento social, muito observados em adultos e idosos.
Em crianças e adolescentes também é possível observar uma série de reações emocionais e alterações comportamentais durante a pandemia, dentre elas: dificuldades de concentração, irritabilidade, medo, inquietação, tédio, sensação de solidão, alterações no padrão de sono e alimentação, descontrole da enurese e defecação, ansiedade, depressão, automutilação, ideação suicida e até mesmo uso de substâncias químicas, entre outras. Crianças e adolescentes estão fora da rotina escolar na escola, com acesso restrito às práticas em grupo, tais como esporte e lazer. É compreensível que as crianças também estejam mais estressadas diante das restrições de mobilidade e de contato com outras crianças e pessoas significativas em sua vida, podendo reagir com agressividade e comportamentos opositores diante das frustrações impostas pelo isolamento social. Lidar com essas reações emocionais e alterações comportamentais das crianças e adolescentes, nem sempre é fácil para familiares ou cuidadores, e acaba por potencializar o estresse parental.
É preciso compreender que as manifestações psicológicas e comportamentais destacadas tanto em adultos, quanto em crianças e adolescentes, podem ser reações adaptativas ou decorrentes do estresse causado pela situação de pandemia e não necessariamente são patológicas, mas de forma alguma podem ser negligenciadas. É importante estar atento à frequência, constância e intensidade com que quaisquer desconfortos ocorrem, para intervir antes que haja maior comprometimento da saúde mental da pessoa, recorrendo à rede de saúde e de proteção social, se for o caso.

Os níveis e condições de vulnerabilidade para o contágio, adoecimento mental e impactos psicossociais da pandemia de COVID-19, estão diretamente interligados às condições de vida do indivíduo e são muito agravados por contextos de miséria, pobreza, violência, falta de saneamento e acesso à água, acesso às redes de saúde e assistência, desemprego, preconceitos e discriminação por exemplo. Pessoas que vivem em assentamentos informais, indígenas, migrantes e refugiados, pessoas privadas de liberdade, pessoas com deficiência, população LGBTI, população em situação de rua, entre outros que já são alvo de preconceito e discriminação social, também têm a vulnerabilidade aumentada. A pandemia atinge as pessoas de forma desigual, dependendo de marcadores socioculturais tais como gênero, raça, etnia, faixa etária, renda e classe social. Quanto maior a vulnerabilidade, maiores são os desdobramentos dos impactos da pandemia na vida da pessoas.
Como lidar com os impactos psicossociais da COVID-19?
As pesquisas em andamento já revelam o que é possível ser observado na prática clínica e através de observações no cotidiano: os efeitos psicossociais da pandemia para o indivíduo são amplos e complexos. Cada pessoa é única e reage aos efeitos da pandemia de forma única. Porém, para o enfrentamento dos impactos da COVID-19 na saúde física, emocional e social, é preciso identificar os próprios recursos internos e buscar as redes de apoio (família, amigos, espiritualidade, serviços, por exemplo).
Mesmo que haja o término da quarentena, do distanciamento social, que tratamentos, medicamentos e vacinas sejam eficazes, a possibilidade de transmissão do vírus não será extinta. Vamos ter de construir possibilidades para viver essa nova realidade, o novo normal. Muita coisa terá de ser reconstruída e ressignificada.
Assim, quando o convívio social mais amplo, as rotinas de trabalho e escolas forem retomados é importante que se possa falar, acolher e trabalhar o que foi vivido durante o período de quarentena, dos efeitos que persistirem, das perdas, medo da morte, do luto por familiares, amigos, vizinhos, colegas, ou outras preocupações, em todos os ambientes de interação humana ou mesmo em atendimentos especializados. Da mesma forma, as experiências de resiliência, empatia, solidariedade e compaixão também precisam ser reconhecidas e compartilhadas, de modo a construir um cenário favorável em termos de saúde mental.





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